Insegurança Pública
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Insegurança Pública



(Animal Composition – Joan Miró)
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INSEGURANÇA PÚBLICA
(André Luís Soares)
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Segunda-feira, cinco da manhã. Torrencial, a chuva castigava Vila Velha, como se quisesse lavar todos os pecados da cidade.
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Homem de 50 anos, funcionário da antiga oficina mecânica, José se dirigia à parada, onde pegaria o ônibus até Vitória. Chefe de família classe média baixa, com mulher e dois filhos, recebia mensalmente quatro salários mínimos. Não era muito, mas dava para alimentar a prole e pagar o aluguel. Somado ao que a ‘patroa’ juntava fazendo salgados, a vida não chegava a ser de miséria. O corpo, porém, já reclamava o cansaço da lida diária. Fazia tempo não andava a pé ou em veículo que não fosse próprio. Há pouco mais de três anos adquirira, com sacrifício que se estendeu à toda a família, um automóvel usado, em vinte e quatro longas prestações. No entanto, seu carro, modelo 92, fora roubado uma semana antes. ‘– Droga! – pensou – Tanta privação para comprar aquele carro... já havia até pago o IPVA’. Quase conformado e sem opções, prosseguiu sua caminhada sob a chuva.
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Andava pelas ruas com medo. Desde que adquirira o ‘possante’ não havia refletido sobre a condição dos pedestres. Agora que a eles se misturava novamente, sentia-se inseguro. O jornal de domingo havia publicado um sem-número de matérias a respeito da violência no Estado. Após ser roubado, José passou a se interessar pelas noticias. Daí que, tendo devorado o periódico, as tragédias todas agora fervilhavam em sua cabeça, como se saídas de um filme, no qual os atores, protagonistas e coadjuvantes, tinham todos, por único papel ameaçá-lo. Em cada transeunte que lhe cruzava o caminho enxergava um malfeitor, comentado em alguma noticia. Se alguém lhe fitava o rosto mais demoradamente, chegava ao pânico.
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Divagava assim, perdido em seus temores quando, ao dobrar em uma esquina a surpresa: uma voz oscilante, alternando entre o grave e o agudo, o chamara: ‘- Ei, moço!’. José vira o rosto e percebe que o chamado vem de um entre quatro jovens que se encontram a cerca de trinta metros. Do pouco que pode ver, concluiu que eram altos, morenos, oscilando entre 18 e 25 anos. Perfil muito comum aos criminosos descritos nas páginas policiais. Tal constatação catapultou seus receios às estrelas. Decidiu então não parar. O local de pegar o ônibus não deveria estar longe. Apressou o passo. Para seu espanto, novamente a voz, agora um pouco mais próxima e mais alta: ‘– Ei, tio! Espera aí!’. Decididamente não iria esperar. Correu, dobrou em outra esquina.
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Deparou-se com um ponto de ônibus cheio de pessoas encharcadas. Quase todas desprotegidas, cruzando os braços sobre o peito ou encolhidas em seus parcos agasalhos. Feliz da vida, agradeceu aos santos e tentou desaparecer em meio aos demais. Na pressa, empurrou uma idosa, pisou o pé do homem de óculos e, com o calcanhar, manchou de lama a barra da calça da jovem esbelta que lhe lançou olhar de fúria. José nem quis saber. Finalmente a salvo, balançou os cabelos, respingando outros à sua volta. Espalmou a roupa e, seguro, levantou a cabeça. Quase desmaiou... os quatros estavam ali, à sua frente, igualmente molhados e com os olhares fixos nele. A respiração ofegante indicava que também correram. José não podia crer na ousadia daqueles rapazes.
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Sentido-se relativamente protegido pelos que estavam ao redor, falou denotando a coragem que não lhe era própria: ‘– O que foi? O que querem de mim afinal?’ A resposta foi tímida: ‘– Nada moço, é que o senhor deixou cair a carteira algumas ruas atrás. Íamos devolver,... mas o senhor saiu correndo. Tá aqui ó... vê se tá tudo aí direitinho’. Acanhado, José pegou o objeto, abriu e conferiu... tudo ali, cartões, talão e dinheiro... duzentos reais. Para não ficar com a consciência pesada, resolveu dar ‘deizão’ para os meninos. ‘Afinal – pensou satisfeito – é tudo gente boa’. Sem dó, meteu a mão na carteira e, com dez reais em punho, ao levantar de novo a vista, nova surpresa: tinham ido embora.
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