Improvisação difícil: nascimento e aculturação
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Improvisação difícil: nascimento e aculturação



Mas por ora, esqueçamos o Brasil, e vamos para o norte do continente americano, onde está localizada a cidade de Nova Orleans, no sul dos Estados Unidos. Com quase 500.000 habitantes, a cidade é a maior do estado da Luisiana que se encontra entre os estados do Texas (oeste), Arkansas (norte), Mississipi (leste) e pelo Golfo do México ao sul. Também famoso pelo furacão Katrina, que em 2005 vitimou 1833 pessoas, a cidade conta atualmente com o maior porto marítimo dos Estados Unidos que nós séculos XVIII e XIX recebia muitos imigrantes que foram para o sul trabalhar nas plantações de arroz e tabaco (BERENDT, 1975).

Mas além de ser fértil em águas e em terra, o local mostrou-se ainda mais fértil no que toca às manifestações artísticas. Por conta de um caldeirão cultural, o jazz, objeto de estudo desse artigo, é fruto do encontro de diferentes povos que vieram para Nova Orleans desde 1718. Nesse ano, a cidade foi fundada por franceses, que trouxeram muitos haitianos e africanos para ser a força braçal da região. Já em 1763 a Espanha entrou em cena, por causa do Tratado de Paris que decretou que as cidades a oeste do rio Mississipi passariam ao controle da Espanha. Mas logo no início de século XIX a França voltou a ser dona da Luisiana, controle esse que durou apenas três anos, já que 1803 os Estados Unidos compraram o estado à França.

100 anos depois, incentivados pelo sonho americano, e principalmente pelos conflitos religiosos, muitos imigrantes europeus desembarcaram no sul dos Estados Unidos. Entre eles tínhamos irlandeses, ingleses e italianos que se juntaram aos espanhóis, haitianos, franceses e norte-americanos nessa localidade que na altura tinha cerca de 250 mil habitantes (BERENDT, 1975).

No meio de tantas nacionalidades, pode-se apenas dividir esses povos, como o fazem estudiosos do jazz - como o jornalista alemão Joachin E. Berendt - em brancos e negros. Os brancos trouxeram o formalismo da música clássica, com suas partituras e solfejos, e também estilos musicais como a polka, a valsa, e o flamenco. Com eles, instrumentos como o trompete, trombone, clarinete, e piano vieram fazer parte da música de Nova Orleans.

Já os negros vindos do Haiti e da África, na época da colonização francesa, trouxeram o ritmo e o sistema de pergunta-resposta, técnica usada pelos escravos para se comunicarem e “driblarem” a vigilância dos patrões. Com essa técnica, muitas canções poderiam ser definidas de diálogos, cujas letras abordavam a busca por uma vida melhor e Deus. Gêneros como blues e o gospel, ambos antecessores ao jazz, filtraram a poesia desses diálogos, já o jazz “bebeu” da improvisação.

Tinha-se criado por conta da geografia e das condições sociais um encontro entre a linguagem da música clássica e européia, e seus instrumentos; e a linguagem africana e norte-americana, com seu swing e improvisações. Um dos acontecimentos que ajudaram no processo de aproximação e aculturação foi o término da Guerra da Secessão, onde muitas bandas marciais deixaram de existir por causa do fim do conflito. Com isso muitos músicos, na maioria filhos de generais e empresários obrigados a participarem da banda, venderam e doaram seus instrumentos musicais para a população mais pobre.

O início do jazz mostra que este estilo musical originou-se de uma fusão entre elementos completamente distintos. O jazz nasceu pelo conhecer e respeitar o outro, e também pela curiosidade baseada na alteridade entre povos diferentes que contribuíram de igual maneira para o surgimento do gênero, conforme informa Joachin E. Berendt, no livro O jazz – Do rag ao rock:

O jazz é o resultado do encontro do negro com o branco. Não é sem razão, portanto, que foi nascer no Sul dos Estados Unidos, onde o contato entre as duas raças era maior e mais intenso. Esses dois elementos são básicos para a concepção do jazz e cometeria um erro quem tentasse apontar esta ou aquela contribuição do negro ou do branco como de importância decisiva ou de maior ou de menor relevância em sua formação, fato que, às vezes, ocorre, em virtude dos conflitos raciais que se observam nos Estados Unidos (BERENDT, 1975 p. 21).


Referência bibliográfica

BERENDT, Joachin E. O jazz – Do rag ao rock. Trad. de Júlio Medaglia. São Paulo: Editora Perspectiva, 1975.




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