O jazz e o Brasil de Darcy Ribeiro: matriz européia
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O jazz e o Brasil de Darcy Ribeiro: matriz européia



A matriz européia, a qual eu me refiro neste artigo, exerceu uma maior influência em nosso país pela lusitanidade, termo usado por Darcy Ribeiro, que na obra O Povo Brasileiro destaca o “enfrentamento dos mundos” entre os portugueses e os indígenas. Porém, na mesma obra, o intelectual brasileiro mostra as contribuições dos imigrantes europeus vindos no século XIX e XX. Imigrantes esses que vieram ao Brasil em busca de uma vida melhor, longe de conflitos e guerras. Tal proposta é diferente dos colonizadores europeus do século XVI.

No continente sul-americano os portugueses tinham o objetivo de extrair riquezas naturais para Lisboa, e propagar uma visão de mundo baseada no catolicismo. Ao encontrarem um vasto espaço geográfico – rico em plantas, árvores e águas – e etnias indígenas, o português viu que neste novo mundo os objetivos mercantis e ideológicos poderiam ser alcançados nesse campo fértil, valendo-se por uma visão etnocêntrica, até então regente na “evoluída” Europa.

O tal pensamento dizia que o europeu estava na frente de uma linha evolucional em relação aos outros povos. Para tanto, tal visão aliada e impulsionada pela religião cristã, foi o alicerce e estímulo recebido pelos cristãos portugueses para propagarem seu estilo de vida aos índios “pagãos”. Como resultado houve a catequização e a propagação da língua portuguesa perante as tribos, em sua maioria do tronco tupi. Portugal se apossou do território não apenas demarcando terras e fincando sua bandeira, mas também o fez culturalmente por conta do etnocentrismo vigente na Europa.

O homem branco propagou igualmente seus hábitos nos Estados Unidos, inclusive nas artes, com o jazz, nascido na “mestiça” Nova Orlenas, sendo um exemplo. Em meados do século XIX, os Estados Unidos enfrentou a Guerra da Secessão, acontecimento que popularizou as bandas marciais que tinham como objetivo encorajar os soldados nas batalhas. Tais bandas foram de grande importância para que os negros tomassem posse de instrumentos musicais tocados, até então, pela população branca, conforme explica o jornalista e músico Roberto Muggiati:

Na Guerra da Secessão (1861-65) as bandas marciais desempenharam um papel importante, encorajando os soldados nas batalhas, e sua criação foi grandemente incentivada. Ao mesmo tempo, a tecnologia dos instrumentos, em decorrência da revolução industrial, era aperfeiçoada com a introdução dos pistões nos metais, a simplificação no mecanismo das clarinetas, flautas e flautins. As fábricas iam em busca de um novo e florescente mercado e a grande procura tornava os preços muito acessíveis. No início do século 20, por exemplo, cornetas; trompetes; trombones e bombardinos custavam nos Estados Unidos entre 10 a 15 dólares. Além da disponibilidade dos instrumentos novos, havia os de segunda mão, baratíssimos, de que os “pregos” viviam abarrotados. Uma anedota significativa é a tese – defendida por alguns – de que o jazz nasceu em Nova Orleans porque as bandas marciais da Guerra Hispano-Americana se desfizeram ali em 1899 e seus instrumentos – trocados por uma noite de farra na irrequieta cidade – amanheceram enfeitando as vitrines das lojas de penhores e foram parar nas mãos dos músicos negros (MUGGIATI, 1999, p. 25).

O jazz nasceu em um ambiente marcado igualmente pela cultura latina, por conta do passado de Nova Orleans que já foi posse francesa e espanhola. Além das influências dessas duas nações, esta cidade do sul dos Estados, marcada pelo Rio Mississipi, acolheu imigrantes italianos, irlandeses, e ingleses. Pessoas que trouxeram para esta nova terra seus respectivos gêneros musicais (BERENDT, 1975).

O encontro europeu, já com diferentes nacionalidades, também ocorreu no Brasil, alguns séculos depois da chegada dos portugueses. No início do século XIX, imigrantes italianos, espanhóis, alemães, e uma nova “safra” de portugueses desembarcaram no Brasil com o intuito de fugir das primeiras guerras mundiais e do cenário caótico em que a Europa se encontrava.

Logo, o Brasil absorveu a cultura desses imigrantes sem grandes problemas, como informa Darcy Ribeiro: “Quando começou a chegar em maiores contingentes, a população nacional já era tão maciça numericamente e tão definida do ponto de vista étnico, que pôde iniciar a absorção cultural e racial do imigrante sem grandes alterações no conjunto”(Ribeiro, 2006, p. 222).

Tanto em Nova Orleans, como no Brasil, a população européia branca pôde expressar seu modo de viver, o que inclui suas manifestações artísticas, sem sofrerem represálias das autoridades. O branco não sofreu como a população negra e escrava que no Brasil como nos Estados Unidos teve que criar mecanismos para se comunicar e fortalecer suas culturas.


Referências bibliográficas:

BERENDT, Joachin E. O jazz – Do rag ao rock. Trad. Júlio Medaglia. São Paulo: Editora Perspectiva, 1975.
MUGGIATI, Robert. O que é jazz?. São Paulo: Brasiliense, 1999
RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.



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