Mídia radical, processo, representação e música
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Mídia radical, processo, representação e música


A obra “Mídia Radical: rebeldia nas comunicações e movimentos sociais” de John Downing apresenta em suas páginas um panorama de atitudes comunicacionais de diferentes partes do planeta que visam representar grupos e minorias. Esses, cujo espaço na grande mídia hegemônica é bastante reduzido, para não dizer nulo. Vale ressaltar que para o pesquisador, tais atitudes não passam apenas pelos meios de comunicação tradicionais, como rádio, televisão, jornal, revista e internet.

Como alternativas a esses meios, Downing cita e ressalta o valor das canções populares, da dança, do grafite, das tatuagens e até de broches e adesivos como sendo “ferramentas” midiáticas importantes para que a “voz” e as reivindicações de certos grupos sejam ouvidos pelo status quo. Sendo assim, é importante enfatizar que a mídia radical para ser colocada em prática não precisa, necessariamente, do uso de equipamentos tecnológicos. Ela se vale perfeitamente da improvisação impulsionada pela falta de equipamentos e recursos.

Sobre o tema é importante enfatizar que o estudo sobre mídia radical coloca em primeiro plano o processo, a forma, as táticas e os meios de se propagar a mensagem; e não o conteúdo da mesma, apesar de que aquilo que é transmitido ser logicamente importante. Com isso, vê-se que a estratégia é fundamental para que o objetivo se concretize eficazmente. Porém, tal meta é alcançada sem um importante fator que é presente na mídia hegemônica: o do lucro alicerçado no consumo.

Neste gênero de mídia, estudado por Downing, há uma busca de quebrar a esfera mercadológica, lutando, assim, por uma audiência ativa, e não pelo ato de consumir. Tal audiência tem voz incisiva e determinante na construção da informação, já que a própria é a mais interessada na obtenção de uma maior representação mediada pelas mensagens que a constrói. A representação é um ponto importante para o autor que deseja a utilização de um maior leque de fontes por parte dos veículos de informação, que para ele, infelizmente, mostram os fatos, na maioria das vezes, somente baseados pelo olhar norte-americano.

Por conta dessa visão limitada vinda da mídia hegemônica, a mídia radical tem o papel de abarcar com as culturas de um mundo cada vez mais fragmentado. Para Downing a participação da população de tais culturas, muitas das quais colocadas à margem das grandes corporações, deve ser ativa. As pessoas são ao mesmo tempo emissoras e receptoras, cujo sucesso está na representação em si, e não na quantidade de receptores, ou na fama. Por isso, a mídia radical, muitas vezes, age somente em uma perspectiva local com grupos restritos.

Blues, jazz e a canção operária alemã

Um exemplo marcante de “luta” para se fazer ouvir ocorreu no sul dos Estados Unidos, principalmente nos estados da Luisiana, Alabama e Mississipi, onde o blues nasceu. Tal gênero musical é originário de canções de cunho religioso, denominados de spirituals, e de canções de trabalho. Ambas eram entoadas por comunidades de ex-escravos, e continham em suas letras protestos contra a escravidão e o racismo, como também mensagens que incitavam a busca por uma vida melhor. Além de serem manifestações artísticas, tais canções tinha o objetivo de comunicar aos trabalhadores mensagens que não deveriam ser entendidas pelos patrões, ou seja, eram códigos nascidos pela necessidade de se fazerem ouvir em determinado círculo, sem a ajuda de equipamentos.

Nasceu, ainda, no sul dos Estados Unidos outro estilo musical, posterior ao blues, que usou os instrumentos hegemônicos da população branca de uma forma peculiar. Tal gênero é o jazz que mostrou a adaptação artística dos negros em meio às diversidades. Eles que trabalhavam em plantações de tabaco e arroz no sul dos Estados Unidos acolheram instrumentos musicais até então tocados por europeus e norte-americanos brancos. Em sua posse o negro trouxe sua singularidade a trompetes, trombones, pianos, e mais tarde aos saxofones, tocados antes somente na música clássica e em bandas marciais. Com isso o chamado som “puro” da música clássica perdeu espaço com esses trabalhadores que trouxeram novos horizontes ao colocar seus laços culturais em equipamentos até então usados por um grupo hegemônico, conforme explica o historiador inglês Eric Hobsbawm: "Mas geralmente as cores do jazz surgem da técnica peculiar e não convencional pela qual os instrumentos são tocados, e que foi desenvolvida porque os primeiros músicos eram totalmente autodidatas. Por esse motivo eles fugiram às convenções há muito tempo sedimentadas pela música erudita européia no que se refere à maneira “correta” de utilizar instrumentos ou vozes educadas".

No capítulo 10, Downing, além de mostrar o exemplo das canções do sul dos Estados Unidos como sendo mídia radical, lembra que determinados grupos podem igualmente reter meios comunicacionais nascidos fora dos círculos pertencentes a eles. Ele cita as canções de cunho socialista do movimento operário alemão, criadas para os trabalhadores e não por eles. Apesar dessa diferença em relação ao blues, tais canções tinham igualmente a proposta de protestar contra as injustiças e de trazer ânimo para o trabalho e por uma vida melhor. Com isso, Downing mostra que o uso de mídia radical pode ser usado por um grupo que a produziu, ou não.




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